Memorialistas culturais
Iaçu tinha um cinema chamado Aliança? Um Flamengo Sport Clube ? Havia romeiros em João Amaro? Micareta em Lagedo Alto? A ponte caiu? Seu Joel Barbosa e Dona Almerinda enfeitavam o carro pro Desfile da Primavera? Perguntas e mais perguntas, risos e surpresas. A cada foto antiga que o Projeto Iaçu Cultural posta na Internet, a população iaçuense se alvoroçava querendo se ver, ou ver como eram seus pais, parentes e vultos históricos do município.
Uma febre, tão grande que tem gente que nem tinha e-mail mas se apressou em comprar computador, quando souberam que o baú de Iaçu tinha sido esparramado na internet. Tudo começou em meados de 2008, quando a professora de artes Déborah Dias, 26 anos decidiu incrementar o aprendizado dos seus alunos adolescentes em Iaçu. A reboque uma atitude radical: sair da sala de aula e ganhar o mundo, ver a história da cidade e do povo ao vivo. O quadro foi substituído pelo passeio na Estação ferroviária, o sinal do recreio deu lugar aos ritmados refrões dos grupos de samba-de-roda e o pátio escolar se expandiu para o adro das igrejas chegando ao histórico distrito de João Amaro, antiga sede do município, datado do século XVII.
Assim, sem querer, a jovem professora iniciava uma pequena revolução na cidade que atingiu o ápice quando a professora começou a pedir fotos antigas aos pais e avós dos alunos. Relíquias empoeiradas começaram a sair dos álbuns: fotos de batizados, casamentos, micaretas, carnavais… Como um verdadeiro formigueiro, a população se assanhou na memória coletiva local histórico. “Até nos fins de semana as pessoas iam em minha casa me entregar fotos para que eu escaneasse e disponibilizasse o material”, conta sorrindo. Desse despretensioso levantamento surgiu um fenomenal acervo que hoje disponibiliza 2.872 fotografias expostas no meio digital e doadas em mutirões com intuito de promover a ressiginificação da história e afirmação das identidades. “Não queríamos mais a história enlatada, queríamos investigar nossas próprias raízes e colocar o resultado à disposição”, pontua Déborah .
O primeiro prefeito de Iaçu, Joel Barbosa, ao ver a foto do carro enfeitado no Desfile da Primavera, quando tirou o primeiro lugar, sentiu o coração palpitar de lembranças e escreveu “Recebemos a ajuda de muitas pessoas e tenho umas das melhores lembranças da minha vida: A alegria de Almerinda quando ao findar o desfile olhou para mim e disse ganhamos! Estes desfiles eram mais disputados que copa do mundo!!!”, lembra. E assim, a rede foi se multiplicando e, através das novas tecnologias, desenvolveu-se a organização de documentos fotográficos doados pela população que ultrapassou as dimensões territoriais e a quebra de fronteiras tradicionalmente estabelecidas. Pessoas morando em São Paulo, Salvador , Rio de Janeiro deixam suas impressões , observam pais, mães, tios, avôs e avós num outro tempo…
O senhor Harrisson da Rocha, aos ver as fotos dos ferroviários nos tempos do Golpe Militar de 64 deu seu depoimento “Apesar do fato histórico não ter sido tão intenso quanto nas Capitais, Iaçu teve seus reflexos infelizes com a ‘Santa Inquisição contra os Vermelhos’, em uma versão mais moderna: pessoas eram indicadas como comunistas, houve gente que botou o revólver na cintura para prender supostos comunistas; houve torturas…”
Mas se hoje as milhares de fotos formam um quebra-cabeças identitário, muitas destas peças se devem aos olhos de Aurelino Costa, o mais conhecido “retratista” da cidade, recentemente falecido. Deborah Dias, a criadora do Iaçu Cultural esteve com ele meses antes de morrer. “Infelizmente a maior parte do acervo fotográfico do retratista foi para ao lixo após a sua partida. Uma grande dor para mim, que tive contato com cada uma delas. Pouco consegui recuperar depois que recebi autorização para vasculhar o estúdio fotográfico, que por sinal, já está praticamente destruído”. A história é assim, um quebra-cabeças temerário, algumas peças simplesmente vão, pra nunca mais…